Simples e livre, uma travessia pelo desapego
- Sofia Nogueira
- 23 de mar. de 2020
- 4 min de leitura
Simplicidade nada tem a ver com pobreza. Ser simples é algo grandioso. É poder ser livre para usar os seus recursos como bem quiser. Você pode até comprar coisas caras ou frequentar os mais renomados restaurantes, mas faz isso como uma escolha e não como uma necessidade.

Ser feliz comendo num restaurante chique ou o sanduíche na padaria é que é libertador. Quanto mais nos desapegamos, mais entendemos que a felicidade não precisa de algo externo para se manifestar. Automaticamente a necessidade de consumo diminui e começamos a experienciar uma felicidade que brota de dentro e que é facilmente acionada pelas conexões que fazemos pelo caminho.
A minha primeira experiência consciente com o desapego aconteceu na minha primeira viagem pra Índia em 2008.
Estava passeando por lá com uma mochila pequena e depois de 10 dias, com muita roupa suja na bagagem, cheguei em Lakshman Jhula, Rishikesh. A primeira coisa que fiz foi sair para encontrar uma lavanderia (rs... eu realmente achava que existia isso lá naquela época).
Fiquei com raiva quando não vi nenhuma máquina de lavar. Como ia fazer para ficar bonita sem minhas roupas lindas, limpinhas, cheirosinhas e bem passadas?
Para piorar, achei meu quarto de hotel meio encardido. Me sentindo indignada, saí para comprar um balde, um rodo, um desinfetante e sabão em pó. Depois de ter lavado bem o meu banheiro, me vi sentada num banquinho debaixo do chuveiro tentando lavar minhas roupas e pensando: o que é que eu estou fazendo aqui??
No meio da minha raiva, desânimo e vontade de ir embora ouvi uma voz falar dentro de mim – “Se você conseguir ser feliz assim, nesse lugar, desse jeito, você consegue ser feliz em qualquer outro lugar”. Senti um pequeno relaxamento no meio do meu próprio caos e segui.
Tentei tirar dinheiro e não consegui. Tentei usar o cartão de crédito e também não consegui. Estava com o bolso vazio. Fui tomada pelo desespero, “paniquei geral”! E agora??? Como iria pagar o hotel, comer, passear e fazer minhas comprinhas?
Fui andando desse jeito “panicada” e encontrei dois estrangeiros que me levaram para almoçar dentro de um Ashram onde o almoço é gratuito. Ali comi no chão com as mãos, sem pratos, nem talheres, no meio dos Sadhus. Tive a sensação de estar ficando louca. Literalmente! Pensei: enlouqueci de vez, aqui do outro lado do mundo!!! To ferrada!!! Quem vai vir me resgatar?
Hoje entendo que estava lidando com situações profundas de descondicionamento. Sendo convidada a viver algo novo e quando a gente não tem ideia de como é esse novo, a gente não se abre para SENTIR, para EXPERIMENTAR. Muito pelo contrário, temos medo e nos agarramos ainda mais no velho, mesmo sabendo que ele já não nos serve mais. Quantas vezes você já viveu essa experiência? As vezes, o velho já está até te fazendo mal, você já percebeu, mas não larga porque não sabe o que é a vida sem ele. Não tem essa referência no seu registro... por isso eu realmente achei que estava ficando louca... era outro mundo, totalmente diferente do meu.
Não foi fácil, fiquei uns 3 dias literalmente no inferno, julgando tudo, irritada, querendo minha vida de volta com tudo de bom e de ruim que ela tinha. Cheguei em um nível de stress tão alto que não aguentei e resolvi largar.
Aos poucos, fui conseguindo CONFIAR, e a partir daí a ENTREGAR.
Não tinha ideia de como resolveria a questão financeira, mas comecei a aproveitar a minha estadia ali. Relaxei no meu caos e no meu medo.
Estava ABERTA para tudo. Era como se estivesse totalmente “nua”, sem minhas roupas, meu status, meu cargo, meu dinheiro. Me despi do velho para viver e sentir esse novo mundo e foi maravilhoso. Conheci pessoas incríveis, das mais ricas as mais pobres. Interagi com gente que nunca imaginaria sequer olhar. Pela primeira vez experimentei me conectar com a essência das pessoas e não com o que elas aparentavam ser. Me diverti como nunca antes, de um jeito simples com pessoas tão diferentes. Me diverti sem precisar do dinheiro... isso foi incrível pra mim.
Foi inacreditável, libertador! Um mundo mágico se apresentou, com infinitas possibilidades, cheiros, sabores, sentimentos. Entrei em um estado de graça profundo. Era tanta felicidade que nem cabia dentro do meu peito.
E é claro que quando me abri para viver esta experiência interna, as situações do mundo externo começaram a se acertar... rs… Consegui resolver a questão dos pagamentos, encontrei lugares que lavavam roupa, enfim pouco a pouco tudo foi se acertando.
Tenho um carinho muito grande pela Índia. As coisas lá acontecem de um jeito meio mágico, que a mente não acompanha, não consegue explicar. As minhas experiências e meus aprendizados lá sempre foram muito intensos. E por isso voltei mais sete vezes.
Quis compartilhar essa minha primeira experiência com o desapego porque ela foi a porta de entrada para que eu me abrisse para uma nova forma de viver: trabalhando com o que eu mais gosto de fazer, me relacionando de um jeito mais presente e conectado com as pessoas, morando em meio a natureza e conseguindo sentir prazer no simples.
E você? Como está a sua relação com o desapego?
Comentários